Hator ou Hathor é uma deusa do Egito Antigo que personifica os princípios do amor, beleza, música, maternidade e alegria. Era uma das divindades mais populares e importantes do Egito Antigo, venerada tanto pela realeza quanto pela população comum, em cujas sepulturas ela é descrita como a “Senhora do Ocidente”, que recebe os mortos na próxima vida. Entre suas outras funções está a de deusa da música, dança, terras estrangeiras e fertilidade, responsável por auxiliar as mulheres durante o parto, bem como o de padroeira dos mineiros.
Nascimento: Dendera ou Dandara
Parentesco: Rá, Shu, Tefnut (em alguns relatos), Bast, Serket
O culto a Hator antecede o período histórico e as raízes da veneração à deusa são, portanto, difíceis de serem apontadas, embora ele possa ter se desenvolvido a partir dos cultos pré-dinásticos à fertilidade e à natureza em geral representados em vacas. Hator costuma ser representada como uma vaca divina, com chifres sobre sua cabeça, entre os quais está um disco solar com um uraeus. Duas penas idênticas também costumam ser representadas em seus retratos posteriores, bem como um colar menat. Hator pode ter sido a deusa-vaca que é representada desde tempos arcaicos na famosa Paleta de Narmer e sobre uma urna de pedra que remonta a Primeira Dinastia, o que sugere seu papel como deusa celestial e uma possível relação com Hórus que, como deus-sol, faria a sua “morada” nela.
Os egípcios antigos viam a realidade como consistindo de camadas múltiplas, nas quais as divindades se misturavam por diversos motivos, mantendo atributos e mitos divergentes, mas que no entanto não eram vistos como contraditórios, e sim complementares. Numa relação complicada, Hator é por vezes mãe, filha e esposa de Rá e, como Ísis, por vezes é descrita como mãe de Hórus, e associada a Bast.
O culto a Osíris prometia vida eterna a todos aqueles que fossem julgados moralmente merecedores. Originalmente os mortos, tanto homens quanto mulheres, tornavam-se Osíris após o julgamento, porém, no início do período romano as mulheres mortas passaram a ser identificadas com Hator e os mortos do sexo masculino com Osíris.
Os gregos antigos identificavam Hator com a deusa Afrodite, e os romanos com Vênus.
Primeiras representações
Hator só é representada de maneira contundente a partir da Quarta Dinastia. No período histórico, Hator é mostrada através das imagens de divindades-vaca. Artefatos do período pré-dinástico que usam o mesmo simbolismo são usadas posteriormente para representar Hator, e os egiptólogos especulam que estas divindades poderiam estar representando uma só, que seria Hator ou uma precursora sua.
Uma divindade em forma de vaca aparece no cinto do rei na Paleta de Narmer, que data do período pré-dinástico, e esta pode ser Hator ou a deusa Bat (assumindo outra forma), com quem ela é associada e que posteriormente suplanta. Por vezes são vistas como a mesma deusa, embora tenham diferentes origens e ilustrem diferentes reflexos do mesmo conceito divino. A evidência que apontam para a divindade em questão representar Hator, especificamente, baseia-se numa passagem dos Textos das Pirâmides, que afirmam que o traje do rei viria de Hator.
Uma urna de pedra encontrada em Hieracópolis, que data da Primeira Dinastia, tem em sua lateral uma representação da face de uma divindade-vaca com estrelas em suas orelhas e chifres, que pode ser relacionada ao papel de Hator, ou Bat, como uma deusa celestial.
Outro artefato da Primeira Dinastia mostra uma vaca deitada sobre uma gravura de marfim, com a inscrição “Hator nos Pântanos..”, indicando sua associação com a vegetação e os pântanos de papiro, mais especificamente. A partir do Império Antigo ela também passou a ser chamada de “Dama do Sicômoro”, em sua função de divindade das árvores.
Relações, associações, imagens e símbolos
Hator tinha uma relação complexa com Rá; em um mito ela era seu olho, e considerada sua filha, porém, posteriormente, quando Rá assume o papel de Hórus em relação à monarquia, ela passou a ser considerada sua mãe – papel que teria absorvido a partir de outra deusa-vaca, ‘Mht wrt’ (“Grande Enchente”), que teria sido mãe de Rá num mito de criação e carregado-o entre seus chifres. Como mãe, dava a luz a ele toda manhã no horizonte oriental e, como esposa, o concebia através da união com ele todo dia.
Hator, juntamente com a deusa Nut, era associada com a Via Láctea durante o terceiro milênio a.C., quando, durante o outono e os equinócios da primavera, se alinhava com a Terra e a tocava no local onde o Sol nascia e se punha. As quatro patas da vaca celestial que representavam Nut ou Hator podem, em alguns relatos, ser vistas como os pilares sobre os quais o céu repousava, com as estrelas em sua barriga formando a Via Láctea, pela qual a barca solar de Rá, representando o Sol, navegava. Um nome alternativo de Hator, que perdurou por 3.000 anos, era Mehturt (também grafado Mehurt, Mehet-Weret ou Mehet-uret), que significava “grande enchente”, e fazia referência a esta associação com a Via Láctea, que era vista como um canal de água que cruzava os céus, por onde navegavam tanto a divindade solar quanto a Lua, o que fazia com que os egípcios antigos a descrevessem como “O Nilo no Céu”. Por isso, com o nome mehturt, ela era identificada como sendo responsável pela inundação anual do Nilo. Outra consequência de seu nome é que ela era vista como arauto de nascimentos iminentes, representando o momento em que o saco amniótico se rompe e libera suas águas, uma indicação de que o nascimento da criança está muito próximo. Outra interpretação da Via Láctea era de que ela seria a serpente primordial, Wadjet, protetora do Egito que estava fortemente associada com Hator e outras divindades primevas entre os diferentes aspectos da grande deusa-mãe, incluindo Mut e Naunet. Hator também era cultuada como protetora das regiões desérticas.
A identidade de Hator como uma vaca, talvez ilustrada como tal na Paleta de Narmer, significava que ela passou a ser identificada com outra deusa-vaca antiga da fertilidade, Bat. Os egiptólogos, no entanto, ainda não sabem responder o porquê de Bat ter sobrevivido como uma deusa independente por tanto tempo; ela estava, de certa maneira, ligada ao Ba, um aspecto da alma, e assim Hator acabou ganhando uma ligação com a vida após a morte. Dizia-se que, com seu caráter maternal, Hator recebia as almas dos mortos no Duat, e lhes fornecia comida e bebida. Também era descrita às vezes como senhora da necrópole. A assimilação de Bat, que estava associada ao sistro, um instrumento musical, também lhe trouxe uma associação com a música. Nesta forma posterior, o culto a Hator passou a ser centrado em Dendera, no Alto Egito, onde era conduzido por sacerdotisas e sacerdotes que também eram dançarinos, cantores e artistas.
Hator passou a ser associada ao menat, o colar musical turquesa que frequentemente era usado pelas mulheres. Um hino a Hator diz:
Tu és a Senhora do Júbilo, a Rainha da Dança, a Senhora da Música, a Rainha da Harpa, a Senhora da Dança Coral, a Rainha dos Louros, a Senhora da Embriaguez Sem Fim.
Essencialmente, Hator havia se tornado uma deusa da alegria e, como tal, era amada profundamente pela população em geral e reverenciada especialmente pelas mulheres, que aspiravam personificar seu papel multifacetado de mãe, esposa e amante. Nesta condição, ela conquistou os títulos de Senhora da Casa do Júbilo e Aquela que Preenche o Santuário com Alegria. O culto a Hator era tão popular que diversos festivais eram dedicados à sua honra – mais do que qualquer outra divindade egípcia – e mais crianças recebiam o seu nome do que qualquer outra divindade. Até mesmo o sacerdócio de Hator era incomum, na medida em que tanto homens quanto mulheres podiam se tornar seus sacerdotes.
Templos
Como o culto a Hator se desenvolveu a partir dos cultos pré-históricos de adoração à vaca, não é possível se afirmar de maneira conclusiva onde sua veneração ocorreu pela primeira vez. Dendera, no Alto Egito, era um sítio arcaico importante onde ela era cultuada como “Senhora de Dendera”. Do Império Antigo em diante ela passou a ser cultuada em Meir e Kusae, com a região de Gizé-Saqqara sendo o seu principal centro de devoção. No início do Primeiro Período Intermediário Dendera parece ter se tornado o principal sítio de seu culto, onde ela era considerada mãe e consorte de “Hórus de Edfu”. Deir el-Bahri, na margem ocidental do Nilo, em Tebas, também era um sítio importante de veneração a Hator, desenvolvido a partir de um culto pré-existente à vaca.
Templos (e capelas) dedicadas a Hator):
• Templo de Hator e Maat, em Deir el-Medina, margem ocidental, Luxor
• Templo de Hator na ilha de Filas, Assuã
• Capela de Hator no Templo Mortuário de Hatshepsut. Margem ocidental, Luxor.
Guerreira sanguinária
O Império Médio foi fundado quando o faraó do Alto Egito, Mentuhotep II, reconquistou o controle do Baixo Egito, que havia se tornado independente durante o Primeiro Período Intermediário. Esta reunificação havia sido conseguida através de uma guerra brutal, que duraria vinte e oito anos com muitas vítimas; ao fim dos combates, no entanto, a paz retornou e o reinado do faraó seguinte, Mentuhotep III, foi pacífico, com o Egito retornando novamente à prosperidade. Uma narrativa mitológica (“O Livro da Vaca Celestial”), feita a partir da perspectiva do Baixo Egito, foi desenvolvida neste período, abordando a experiência desta longa guerra. Na narrativa, após a guerra, Rá, que representava o faraó do Alto Egito, não mais era respeitado pelo povo do Baixo Egito, que deixou de obedecer sua autoridade. O mito afirma então que Rá se comunicou através do terceiro olho (Maat) de Hator, contando a ela que algumas pessoas daquele país planejavam assassiná-lo. Hator ficou então tão furiosa com o fato de que as pessoas que ela havia criado poderiam ser tão audaciosas a ponto de planejar isso que se transformou em Sekhmet (deusa da guerra do Alto Egito) para destruí-los. Hator, como Sekhmet, se tornou sanguinária e o banho de sangue foi imenso, pois nada podia pará-la. À medida que as mortes continuavam, Rá se deu conta da situação caótica na região e decidiu interromper Sekhmet, sedenta de sangue, derramando grande quantidade de vinho com cor de sangue sobre o solo para enganá-la. Sekhmet então bebeu grande quantidade deste vinho, imaginando ser sangue, e acabou por se embebedar, voltando à sua forma pacífica, como Hator.
Esposa de Toth
Quando Hórus passou a ser identificado com Rá, no panteão egípcio, sob o nome de Ra-Horakhty, a posição de Hator passou a ficar pouco clara, já que em certas versões posteriores do mito ela seria a esposa de Rá, porém nas versões mais arcaicas ela era a mãe de Hórus. Diversas tentativas de resolver este problema deram a Ra-Horakhty uma nova esposa, Ausaas, para contornar o problema de quem seria a esposa de Ra-Horakhty, e Hator passou a ser identificada apenas como a mãe do novo deus-sol. Isto deixou, no entanto, em aberto uma questão sobre como Hator poderia ser a sua mãe, já que isto implicaria que Ra-Horakhty seria um filho de Hator, e não o seu criador. Estas inconsistências foram desenvolvidas à medida que o panteão egípcio foi sendo alterado, ao longo de milhares de anos, e se tornou extremamente complexo; algumas nunca chegaram a ser resolvidas. Em certas regiões onde o culto a Toth adquiriu força, este passou a ser identificado como o criador, o que o transformou em pai de Ra-Horakhty; nesta versão Hator, como mãe de Ra-Horakhty, passou a ser descrita como esposa de Toth. Nesta versão daquela que é conhecida como a cosmogonia Ogdóade, Ra-Herakhty era representado como uma criança jovem, frequentemente chamada de Neferhor. Quando era considerada a esposa de Toth, Hator costumava ser representada como uma mulher amamentando seu bebê. Como Seshat havia sido considerada anteriormente a esposa de Toth, Hator passou a ser descrita com diversas das características de Seshat, como a sua associação com registros e sua atuação como testemunha no julgamento das almas no Duat; estes atributos, juntamente com sua posição como deusa de tudo que era bom, fizeram que com que passasse a ser descrita como (aquela que) expulsa o mal (Nechmetawaj, Nehmet-awai ou Nehmetawy, em egípcio). Nechmetawaj também pode ser traduzido como (aquele que) recupera bens roubados, e assim, nesta forma, tornou-se a divindade dos bens roubados.
Além do culto a Toth deste período, também se considerava importante manter a posição de Ra-Herakhty (ou seja, Rá) como auto-criador (através das forças primevas da Ogdóade). Assim, Hator não podia ser identificada como mãe de Ra-Herakhty. Seu papel no processo da morte, de receber os mortos recém-chegados com comida e bebida fizeram com que passasse a ser identificada, em determinadas ocasiões, com uma esposa de Nehebkau, guardião da entrada do mundo inferior e aquele que atava o Ka. Ainda assim, nesta forma, ela manteve o nome de Nechmetawaj, já que seu aspecto de divindade que devolvia os bens roubados era tão importante para a sociedade que foi conservado como um de seus papéis. Bolas votivas de faiança costumam ser associados a esta divindade, embora o significado preciso desta relação ainda seja desconhecido.
Hesat
Na mitologia egípcia Hesat (também Hesahet ou Hesaret) era a manifestação terrena de Hator, a deusa-vaca divina. Como Hator, também era vista como esposa de Rá.
Nesta qualidade de versão terrena da deusa-vaca, dizia-se que o leite era a cerveja de Hesat (cujo nome significava “leite”). Como vaca leiteira, Hesat era considerada a ama de leite dos outros deuses, aquela que cria todo o alimento. Assim, era retratada como uma vaca branca que portava uma bandeja de comida sobre seus chifres, com leite escorrendo de suas tetas.
Nesta forma terrena também era, dualisticamente, a mãe de Anúbis, o deus dos mortos – já que, como responsável por alimentar, ela traz a vida que Anúbis, como a morte, se apodera. Como a manifestação terrena de Rá era o touro Mnévis; os três, Anúbis como o filho, Mnévis como o pai e Hesat como mãe, foram identificados como uma tríade familiar, e cultuados como tal.
Nebethetepet
Na mitologia egípcia, Nebethetepet era a manifestação de Hator em Heliópolis. Era associada com o deus-sol Atom. Seu nome pode ser traduzido como senhora da oferenda.
Hator fora do Egito
Hator foi venerada em Canaã no século XI a.C., que à época era governada pelo Egito, na cidade sagrada de Hazor, ou Tel Hazor, que segundo o Antigo Testamento teria sido destruída por Josué (Livro de Josué, 11:13, 21).
Um dos principais templos de Hator foi construído por eti II nas minas de cobre de Timna (foto ao lado), na Seir edomita. Serabit el-Khadim é um local no sudoeste na península do Sinai, onde havia extensa mineração de turquesa durante a Antiguidade. As escavações arqueológicas, realizadas inicialmente por Sir William Matthew Flinders Petrie, revelaram os antigos campos de mineração e um Templo de Hator que teria existido ali por muito tempo. Os gregos, que se tornaram soberanos do Egito por trezentos anos, antes da dominação romana em 31 a.C., também cultuaram Hator e a associavam com sua própria deusa do amor e beleza, Afrodite (como os romanos fizeram com Vênus).
Fonte: Egito Antigo
Fotos: Sympla, Egito Antigo